CRÉDITOS:
Volta Redonda, no Sul Fluminense, estuda implantação de programa internacional para agilizar atendimento a pacientes com AVC e salvar vidas
O acidente vascular cerebral (AVC) – também conhecido como acidente vascular encefálico (AVE) ou, popularmente, derrame cerebral – é uma doença neurológica frequente e muito grave. Na América do Sul, esta já é considerada a principal causa de morte na Venezuela, Peru e Chile. No Brasil e Argentina, é a segunda causa e na Colômbia, a terceira. De 8% a 20% dos pacientes morrem em 30 dias; 15% a 25% em um ano e 60% acabam falecendo em decorrência do AVC em cinco anos.
A doença também é uma das que mais incapacitam. Dentre os pacientes que sobrevivem a um AVC hemorrágico ou isquêmico, 70% não retornam ao trabalho, 34% têm demência em um ano e de 30% a 50% ficam dependentes de cuidadores e familiares. Ainda mais grave: a cada 30 minutos, um paciente com AVC que poderia ter sido salvo morre ou fica permanentemente incapacitado porque foi tratado no hospital errado.
Os impactos dessa doença altamente letal e incapacitante são inúmeros e, desse modo, o atendimento ao paciente vítima de um AVC precisa ser feito de imediato, a fim de se evitar sequelas e até mesmo a morte. Mas esbarra na falta de capacitação das equipes médicas. Em 2017, apenas cinco hospitais no Brasil eram referenciados no atendimento a AVC.
Já em 2023, este número subiu para 548 hospitais, sendo 352 desses qualificados para receber esses pacientes pela Iniciativa Angels, um projeto internacional que promete melhorar o fluxo nos atendimentos de pacientes com AVC. Ao todo, 246.600 pessoas com quadro da doença foram atendidos nestas unidades.
O objetivo desse programa é reduzir de 4,5 horas para menos de 60 minutos o tempo de socorro a pacientes com sinais de derrame. Isso pode representar não somente a sobrevida desses pacientes, como também evitar ou atenuar as sequelas dessa que é a segunda doença que mais mata no Brasil.
Criada pela farmacêutica Boehringer Ingelheim, a iniciativa atualmente está presente em 8.213 hospitais de 153 países. No Brasil, Ribeirão Preto (SP) e Sapucaia do Sul (RS) se tornaram as duas primeiras ‘cidades angels’ do país. Agora, Volta Redonda, no Sul Fluminense, pode se tornar a primeira do Estado do Rio de Janeiro apta a salvar a vida de pessoas que sofrem AVC. O município estuda implementar o programa, em parceria com o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).
A certificação de ‘cidade angel’ é o reconhecimento de um município que está comprometido com o tratamento do AVC durante toda a jornada do paciente. Para conquistar esse título, a cidade precisa desenvolver um sistema de prevenção e educação de AVC que funciona; ter um hospital pronto para o AVC e serviço pré-hospitalar pronto e integrado; além de um sistema de alta hospitalar que permita a reintegração do paciente na comunidade.
Cidade também quer se tornar referência em doenças raras
O projeto foi apresentado nesta segunda-feira (29/4) por representantes da farmacêutica e do Samu do Médio Paraíba no gabinete do prefeito Antonio Francisco Neto (PP). O encontro foi articulado pelo deputado estadual Munir Neto (PSD), presidente da Comissão da Criança, do Adolescente e do Idoso e coordenador da Frente Parlamentar em Atenção às Doenças Raras na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).
De acordo com o deputado, a Boehringer é uma das farmacêuticas que têm participado ativamente dos trabalhos da Frente, que envolve parlamentares e sociedade civil organizada ligada à causa dos raros. “Conheci o Kleber Primo, gerente da Boehringer, nos trabalhos da Frente e trouxe algumas ideias discutidas para o conhecimento do prefeito Neto”, destacou o deputado.
Para o o prefeito Neto, os projetos apresentados pela equipe da Boehringer e do Samu são de extrema relevância para avançar na saúde do município. “Quero fazer Volta Redonda uma referência no tratamento de doenças raras e uma ‘cidade angel’ no tratamento de AVC”, anunciou.
Participaram do encontro o vice-prefeito e diretor do Hospital São João Batista, Sebastião Faria; a secretária municipal de Saúde, Conceição Souza, o médico neurologista Júlio Meyer; o coordenador regional do Samu, Rodrigo Lages, e outros integrantes da equipe da secretaria municipal de Saúde.
Leia mais
SUS inclui novo tratamento para AVC isquêmico grave
Conheça os principais exames para diagnóstico do AVC
Vida pós-AVC: 7 entre 10 não têm acompanhamento adequado
O que é o programa Angels?
O Programa Angels, que tem apoio da Organização Mundial de AVC e da Organização Ibero-americana de Doenças Cerebrovasculares, envolve o sistema de regulação, atenção básica, cuidados domiciliares e reabilitação, atingindo 90% dos encaminhamentos para o hospital certo e na hora certa.
A iniciativa internacional da Boehringer Ingelheim busca aumentar o número de centros capacitados para o atendimento do AVC agudo; otimizar a qualidade do atendimento dos centros já existentes; aumentar o número de pessoas na comunidade angels e desenvolver uma rede de referência regional eficiente.
No Brasil, o projeto já capacitou 9.174 profissionais de saúde, que participam de 266 simulações. A capacitação das instituições é feita com visitas in loco de um representante do Angels, enfermeira da qualidade dedicada a AVC, que faz o diagnóstico de quais pontos podem ser melhorados no processo, ajuda a traçar estratégias para melhorar o protocolo local e participa do plano de comunicação e promoção desse protocolo.
Esse monitoramento é fundamental para que as unidades participantes identifiquem possíveis déficits no seu atendimento, comparando-se com resultados de sua região e do mundo e que possam, dessa forma, aplicar melhorias, quando necessárias, em seu processo que vão repercutir em melhores resultados para seus pacientes.
Protocolo mundial para AVC é usado por hospital de Niterói
Em 2022, o Hospital Icaraí, em Niterói (RJ), adotou o protocolo reconhecido mundialmente e se tornou o primeiro no Estado do Rio a se tornar referência no atendimento da doença não apenas em sua fase aguda, como também em seu segmento intra-hospitalar.
“Esse atendimento começa desde que o paciente acessa o hospital até a suspeita de AVC e o tratamento. Estamos conseguindo realizar todo esse processo em menos de 60 minutos, que é o preconizado nesses casos”, explica o neurologista Guilherme Torezani.
Segundo o médico, 100% dos pacientes que internam na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) são triados para o risco de disfagia, a dificuldade de engolir que é gerada pelo quadro de AVC e outras doenças neurológicas.
“A disfagia pode acontecer devido a algumas doenças e, se não for rastreada, pode gerar complicações nesse momento da internação. Então, nossa equipe multidisciplinar é treinada para identificar precocemente esse quadro, evitando a bronco-aspiração, que é quando o alimento, ao invés de ir para o esôfago, fica alojado no pulmão do paciente”, alerta.
Hospital de Santa Catarina também adota protocolo internacional
Também em 2022, o Hospital Dona Helena, de Joinville (SC), participou do Programa Angels, tornando o atendimento a casos de AVC mais ágil e dentro das diretrizes mundiais, o que pode trazer resultados positivos para o paciente, reduzindo a mortalidade e taxas de complicação pós-AVC.
A médica Luana Ferrabone, coordenadora da emergência, afirma que, embora o hospital já tivesse seus próprios protocolos de atendimento, foi muito importante se associar a esse programa internacional.
“Agregamos a avaliação e a melhoria nos processos. O Angels vem para validar e capacitar a equipe de forma permanente e estruturada, o que nos permite promover treinamento regular e fazer o acompanhamento de resultados”, completa a médica.
O Angels é um dos protocolos gerenciados pelo hospital, que aota indicadores de desempenho monitorados mensalmente junto à direção médica. “A partir dos resultados, ações de melhorias são tomadas a fim de buscar o atendimento de excelência ao paciente com suspeita de AVC”, detalha a enfermeira Nadia Cristina Brach, coordenadora da Emergência.
Ela explica que, antes da adoção desse protocolo internacional, o indicador Porta-Médico para suspeita de AVC era de aproximadamente 22 minutos – e caiu para 9 minutos pouco depois da implantação do programa. Já o indicador Porta-Imagem (da entrada até o exame de imagem), que era de 75 minutos, foi reduzido para 25 minutos.
“Esses indicadores são importantes para a detecção precoce do AVC e posterior tratamento, minimizando as possíveis sequelas”, conclui a enfermeira.
Passo a passo para otimizar o atendimento
Durante a capacitação do programa Angels, algumas práticas são recomendadas para “reduzir o tempo de porta-agulha” e agilizar o atendimento de casos agudos de AVC, como permitir que as equipes tratem o paciente já na sala de tomografia. O programa é implementado em quatro etapas nos municípios. São elas:
Etapa 1: Ter hospitais preparados em número suficiente para cobrir a população
Etapa 2: Melhorar e manter a qualidade dos centros existentes
Etapa 3: Envolver o atendimento pré-hospitalar
Etapa 4: Educar a população para reconhecer os sinais e sintomas de AVC e ligar 192
Campanha Heróis Fast
Sorriso caído, braço fraco, fala enrolada? Ligue 192 – pode ser AVC. A campanha Fast Heroes 2024, que orienta acionar o Samu (192) em caso de urgência, é fundamental para o município que deseja se tornar uma ‘cidade angel’.
Além de capacitar os profissionais de saúde, especialmente nas emergências, é necessário que o município invista em campanhas de prevenção e reconhecimento dos sinais e sintomas do AVC junto à população.
Uma das ações prevê implementar o programa Fast Heroes no currículo escolar para crianças e 6 a 10 anos. Esse programa ensina os pequenos a salvar a vida de seus avós, em caso de uma emergência. Mais informações pelo site fastheroes.com.
Como é feito o tratamento do paciente com AVC
A terapia trombolítica é um tratamento realizado na fase aguda após acidente vascular cerebral (AVC), reconhecida com nível de evidência no tratamento do AVC isquêmico (AVCi) pela capacidade de restaurar o fluxo sanguíneo por meio da infusão do ativador plasminogênio tecidual recombinante (RT-PA). O RT-PA intravenoso é recomendado dentro das primeiras 4 horas e 30 minutos do início dos sintomas de AVC isquêmico (nível 1, grau de recomendação A).
Em 1996 o AVC tornou-se uma emergência no Brasil. Desde então, o rt-PA é recomendado como tratamento de primeira linha no AVC agudo por todas as diretrizes (Nível 1A). Em 2015, chegou ao Brasil a trombectomia, a revolução no tratamento do AVC. No ano passado, com a Portaria 1.996/23, o Ministério da Saúde incluiu a trombectomia na tabela de procedimentos autorizados do Sistema Único de Saúde (SUS) para os casos de AVC isquêmico.
Premiação Angels para hospitais
O Angels Award (Prêmio Angels) foi lançado na Europa e desde 2018 na América Latina, para reconhecer e honrar o comprometimento de profissionais e hospitais comprometidos em qualificar o atendimento ao AVC, estimulando uma cultura de monitoramento de indicadores.
A premiação classifica os hospitais como prontos para o atendimento do AVC — quando tem a estrutura mínima e monitora os dados – e aqueles com melhores desempenhos são classificados em ouro, platina e diamante, com certificações que são reconhecidas nos grandes congressos nacionais e internacionais.
O Hospital Icaraí, em Niterói, por exemplo, recebeu em 2022 o Platinum Status como reconhecimento ao cuidado ágil e de excelência aos pacientes vítimas de AVC.