ALERJ DISCUTE RISCOS DO USO EXCESSIVO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Dados do Instituto DimiCuida, apresentados na audiência pública, mostram que de 2014 a 2025 ao menos 56 crianças e adolescentes, com idades entre 7 e 18 anos, morreram no Brasil em decorrência de desafios compartilhados nas redes sociais e da violência digital.

A Comissão de Assuntos da Criança, do Adolescente e da Pessoa Idosa, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), realizou nesta quarta-feira (28/05) audiência pública para debater os desafios do uso das tecnologias digitais por crianças e adolescentes. O Brasil é o segundo país do mundo que mais gasta tempo no celular e o terceiro com maior número de crianças dependentes de telas, segundo dados da Universidade de São Paulo (USP). Durante o encontro, o presidente da Comissão, deputado Munir Neto (PSD), anunciou que protocolou, na véspera da reunião, o Projeto de Lei 5.453/25, que obriga estabelecimentos que comercializam produtos e serviços digitais a disponibilizarem um exemplar do ‘Guia sobre o Uso de Dispositivos Digitais’, produzido pelo Governo Federal.

“Hoje, ouvimos dados alarmantes. Isso nos mostra que o problema é urgente e precisa da atenção de toda a sociedade. E nós, do poder público, precisamos criar leis que preservem essas crianças e adolescentes. Esse PL tem como objetivo assegurar a ampla divulgação desse material, elaborado em dois anos. Sabemos que todos gostam de ter acesso aos seus celulares e computadores, mas nós precisamos pensar também nos problemas que isso gera”, disse Munir Neto.

Uma das médicas que participou da elaboração do Guia e esteve na reunião, a pediatra Evelyn Eisenstein, representante da Sociedade Brasileira de Pediatria, elogiou a medida e destacou os impactos negativos do uso excessivo de telas na infância e adolescência. Ela explicou que o uso prolongado de dispositivos eletrônicos – mais de quatro horas por dia – pode causar distúrbios do sono, irritabilidade, isolamento social e, em casos mais graves, exposição a crimes virtuais, como o cyberbullying. “Já contabilizamos 56 mortes de crianças e adolescentes no Brasil relacionadas à violência digital. É um alerta urgente para todos nós”, reforçou.

Eisenstein se referiu ao levantamento do Instituto DimiCuida, segundo o qual de 2014 a 2025 ao menos 56 crianças e adolescentes, com idades entre 7 e 18 anos, morreram no Brasil em decorrência de desafios compartilhados nas redes sociais. Esses dados se baseiam em casos noticiados na imprensa ou famílias que procuram organizações da sociedade civil dedicadas à temática.

Para a pediatra, a prevenção começa com a desconexão. Ela recomendou que os pais estejam presentes nas interações familiares, evitando o uso de celulares durante as refeições ou na hora de dormir. Além disso, defendeu a criação de rituais sem telas, incentivando atividades culturais e esportivas. “Essa responsabilidade não é apenas da família, mas também da sociedade como um todo”, concluiu.

Casos crescentes de depressão entre jovens

Entre 2010 e 2023, o número de casos de depressão e ansiedade entre adolescentes de 13 a 17 anos atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) cresceu 323%, segundo dados oficiais apresentados na audiência – período que coincide com o aumento do uso das telas no país, segundo a psiquiatra Gabriela Crenzel. “Os números apontam a urgência de medidas preventivas para proteger o público infantojuvenil”, reforçou.

“É necessário caminhar no sentido inverso do atual modelo de hiperconectividade. Precisamos nos desconectar. Não sabemos ainda o quanto o excesso de telas e a ausência de contato com espaços abertos estão adoecendo nossas crianças”, afirmou Crenzel.

A especialista defendeu, ainda, a política de “tela zero” até os três anos de idade, ampliando o uso de forma gradual e sempre com supervisão. “Quando o cérebro é mais plástico, temos que priorizar o desenvolvimento natural das habilidades de comunicação, interação e resolução de problemas; e a tela não substitui isso.”

Aumento de crimes de cyberbullying

Outro ponto preocupante abordado pela psiquiatra foi o aumento dos casos de cyberbullying. Segundo o IBGE, 33,8% dos adolescentes que usam redes sociais já sofreram alguma forma de cyberbullying. Em 2024, o crime foi incluído no Código Penal como crime hediondo, o que reforça sua gravidade.

O delegado titular da Delegacia da Criança e do Adolescente (Decav),Cristiano Maia, compartilhou a experiência prática no enfrentamento a crimes digitais envolvendo adolescentes. “Estamos muito atrasados. Já tivemos que prender adolescentes envolvidos em crimes graves motivados por desafios propostos na internet”, relatou.

Segundo Maia, esses casos refletem o impacto direto do mundo virtual no comportamento juvenil. Ele explicou ainda como ocorrem os casos de grooming, prática criminosa em que adultos aliciam crianças e adolescentes por meio de redes sociais para crimes de pedofilia. “A vítima sente medo, culpa e vergonha, e muitas vezes não conta para os pais. Quando o caso chega à delegacia, essa criança já foi vitimada e precisará ser ouvida formalmente”, explicou.

Para o delegado, é essencial formar “cidadãos digitais” e promover um debate contínuo sobre os riscos e responsabilidades no ambiente on-line: “Não se trata de criar uma sociedade do pânico, mas de assumir nossa responsabilidade de enfrentar esse tema com seriedade”. Ele também reforçou a importância da denúncia. “Na primeira suspeita de crime, é necessário procurar a delegacia e preservar provas como o conteúdo da conversa e a URL do perfil envolvido. Estamos lidando com provas extremamente voláteis”, concluiu Maia.

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